Resumo
O grupo de sociedades é, hoje em dia, o instrumento jurídico, por excelência, de inserção da grande empresa transnacional nos mercados globais. Trata-se de técnica jurídica de constituição da empresa plurissocietária, permitindo a concentração de conglomerados que atuam em distintos países e influenciam o desenvolvimento do mercado nestas regiões. Por outro lado, frequentemente é o grupo de sociedades, na doutrina jurídica pátria, confundido com o gênero concentração empresarial, e não caracterizado como mais um instrumento à disposição do mercado para as concentrações desejadas. Importa, assim, distinguir tal instrumento de outros instrumentos de concentração e cooperação empresarial, tais como a Fusão, a Cisão, a Holding e a Joint Venture, promovendo-se a caracterização do grupo como o mais moderno instrumento jurídico plurisocietário de concentração empresarial.
1 Introdução
O desenvolvimento do mundo moderno induz, cada vez com maior intensidade, à realização de empreendimentos comuns. A transnacionalização das empresas, que as faz olhar o mundo como um único mercado, estimula em certa medida a concorrência (com a atuação internacional dos grupos) e exige formas associativas novas para a conquista ou a manutenção de determinadas áreas de domínio.
Tal objetivo implica constante determinação das empresas a favor da diminuição dos custos, com a obtenção de economia de escala. Ademais, o simples crescimento das atividades produtivas, por meio do instrumento de concentração básico (fusão), pode gerar não uma diminuição de tais custos fixos, senão, seu incremento, derivado de um gigantismo da atividade produtiva. Por outro lado, a necessidade de tecnologia com inovações constantes impõe a necessidade de volumosos investimentos em investigação, com riscos elevados que uma empresa isolada não suportaria. Além disso, o volume de informação que requer a atividade global e tecnológica se entende melhor quando as empresas atuam conjuntamente, em determinado setor da atividade. É importante sublinhar que o melhor controle dos mercados regionais atua como característica fundamental para a busca, pelos empresários, de novas formas associativas.
Nesta breve introdução, vale referir que o grupo de sociedades, na doutrina pátria, tanto em sua vertente econômica de análise, mas, precipuamente, em seu viés jurídico é, com frequência, confundido com o gênero concentração empresarial, e não como uma espécie do mesmo. Assim, se analisada a tipologia dos grupos de sociedades, permitindo contextualizar este instrumento jurídico como uma espécie mais do gênero concentração empresarial (e não como o gênero em si), cumpre sublinhar as diferenciações básicas deste com outros instrumentos de concentração e cooperação empresarial. Importa dizer que não se fará análise exaustiva de todos os instrumentos de concentração empresarial existentes, já que praticamente impossível tal desiderato. Impossível porque, na atualidade, instrumentos de concentração existem tantas quantas operações empresariais existentes no mercado. Assim que, seguidamente, se analisará, comparativamente, o grupo de sociedades com os instrumentos de concentração e cooperação com os quais é confundido de forma mais frequente, quais sejam: 1) fusão; 2); cisão; 3) holding, e; 4) joint venture.
Observe-se que se realizará estudo mais aprofundado da join venture, já que este instrumento jurídico, em suas duas vertentes (corporated joint venture4 e uncorporated joint venture5), é com maior frequência confundido com o grupo de sociedades.
Finalmente, ressalta-se que no presente texto, seguindo a moderna teoria do direito empresarial, utiliza-se o vocábulo empresa como sinônimo de empresário, referindo-se aos dois de forma indistinta.
2 Breve tipologia do grupo de sociedades e suas
distinções jurídico-doutrinárias: instrumento
societário ou obrigacional?
O grupo de sociedades é, hoje em dia, o
instrumento, por excelência, de organização da empresa
transnacional.
Técnica jurídica apurada pode fundamentarse
em três modalidades distintas, a saber: grupo de
sociedades de base societária, grupo de sociedades de
base contratual, grupo de sociedades de base pessoal7.
Por grupo de sociedades de base societária entendese
a organização do capital que permitirá coparticipação
societária, determinante de um sistema de controle que
gere o exercício do poder de gestão de uma sociedade,
a sociedade mãe, sobre outros entes societários, as
sociedades filhas.
Importa ressaltar que nessa modalidade de grupo
(de base societária) o instrumento de participação,
constituído entre os membros do grupo, terá natureza
jurídica de negócio societário, em sua classificação
de negócio jurídico plurilateral (se entre sociedades
limitadas) ou estatutário (se entre sociedades anônimas).
Por outro lado, para a constituição de um grupo de
sociedades de base contratual, não há que se falar em coparticipação
societária, mas, tão somente, na realização
de negócios jurídicos de natureza obrigacional.
Assim, em um grupo de sociedades de base
contratual, três são os elementos essenciais
caracterizadores do grupo, quais sejam: A existência de uma relação obrigacional, objeto de
contrato (geralmente negócio jurídico complexo), entre
as partes;
O poder de direção em controle derivado de tal
contrato, em favor de uma das partes e em detrimento
dos demais entes societários e;
A dependência econômica também decorrente do
desenvolvimento da atividade do grupo.
Claro está, portanto, que para a caracterização
do grupo de sociedades de base contratual será
fundamental a existência de relações jurídicas
contratuais, obrigacionais8, entre os membros do
grupo, e que tais relações tenham o condão de gerar
poder de direção e controle e dependência econômica.
Do até aqui analisado conclui-se que, em sua
classificação, o grupo de sociedades possui natureza
múltipla, já que caracterizado como negócio jurídico
societário (grupo de base societária) ou negócio jurídico
obrigacional (grupo de base contratual).
Passa-se, a seguir, a promover-se a distinção entre
os grupos de sociedades com estas duas categorias
empresariais, quais sejam, os instrumentos de
concentração empresarial (negócios societários de
fusão, cisão e holding) e os instrumentos de cooperação
empresarial (negócio obrigacional de joint venture).
3 O grupo de sociedades de base societária e outros
instrumentos de concentração empresarial
A seguir, aborda-se a distinção do grupo de
sociedades de base societária com outros instrumentos
de concentração empresarial, quais sejam, a fusão, a
cisão e a holding.
Salienta-se que a eleição de tais instrumentos de
concentração possui sua lógica jurídico-econômica.
Assim, a fusão foi selecionada por haver sido o
instrumento de concentração por excelência, o mais
praticado no desenvolvimento econômico e, em virtude
do tempo, provavelmente, o mais experimentado.
Por seu turno, a escolha recaiu sobre a cisão para
esta análise comparativa com o grupo de sociedades de base societária por ser qualificada, muitas das vezes,
como um instrumento de desconcentração.
Entretanto, ao final, quedará claro que essa
“desconcentração” é, em realidade, uma técnica
apurada de conversão da empresa plurissocietária em
movimento atomístico de concentração empresarial,
com dispersão do capital, para dominação de mercado.
Por fim, selecionou-se a figura da holding porque,
provavelmente, será este instrumento de concentração
que mais se assemelha ao grupo de sociedades de base
societária. Ficará demonstrado, contudo, que estes
instrumentos não se confundem, sendo mesmo, muitas
das vezes, complementários.
A seguir, passa-se a análise de tais elementos
diferenciadores, com a ressalva de que o objetivo
não é o de esgotar a fundamentação de tais institutos
jurídicos, mas, tão somente, promover distinções entre
eles e o grupo de sociedades de base societária, para,
aí sim, conseguir um melhor enquadramento deste
instrumento jurídico de concentração empresarial.
3.1 Fusão10
No seio da União Européia – UE, a partir da
Terceira Diretiva relativa à fusão da S.A.11, promoveuse
harmonização da matéria. Assim, alguns elementos seriam comuns nas legislações nacionais relativos às
fusões.
Os regimes nacionais delimitam a fusão de
sociedades mediante elementos comuns: a concepção
procedimental; os elementos configuradores ou efeitos
parciais, subsequentes à culminação do procedimento
traçado para a realização da fusão — a extinção sem
liquidação de alguma sociedade, a sucessão universal
em todos os direitos e obrigações das sociedades
extintas por parte da nova sociedade criada e a entrada
dos sócios das sociedades que se extinguem à sociedade
nova, mediante a entrega aos mesmos de ações,
participações ou cotas — e as modalidades que podem
revestir essa instituição única — fusão por absorção ou
incorporação e fusão mediante criação de uma nova
sociedade12.
Conceitualmente, a fusão é um procedimento
jurídico através do qual duas ou mais sociedades
agrupam seu patrimônio, ativo e passivo, em uma única
sociedade, seja nova (fusão criação) ou antiga (fusão
absorção). Promoverão, para tal, a prévia dissolução de
todas as sociedades que se fusionam (fusão criação), ou
de todas menos uma, que mantêm seu patrimônio e sua
personalidade jurídica (fusão absorção)13.
A fusão de sociedade se diferencia do grupo
de sociedades em vários aspectos. Assim, a fusão
constitui operação econômica-jurídica de concentração
intersocietária que gera, por definição, a extinção da
personalidade coletiva das sociedades envolvidas,
ao passo que o grupo pressupõe justamente sua
manutenção14. Esta diferença, unidade ou pluralidade
jurídica da empresa emergente,15 é absolutamente
fundamental para a compreensão do alcance diverso
destas duas técnicas jurídicas de concentração
empresarial, em termos de eficiência econômica,
financeira, organizacional e até jurídica.
Por fim, fator determinante na União Europeia para
a manutenção das fusões é sua estrutura econômica.
Assim, na UE existem 15 milhões de PYMES frente
aos 5 milhões existentes nos Estados Unidos. Ainda
que, desde o ponto de vista da criação do emprego e
das novas tecnologias, tem papel relevante, também
é necessário potencializar sua concentração. Tal fato
ocorre não somente desde a perspectiva do incremento
de sua competitividade, mas também de sua
sobrevivência, em um mercado fortemente globalizado,
ao supor que a fusão permite vantagens tais como a
redução nos custos empresariais de financiamento e da
produção.
3.2 Cisão17
A cisão de uma sociedade é, em contraposição à
fusão de sociedades, um procedimento econômico
e jurídico de desconcentração empresarial, de
especialização e racionalização empresarial, de
regionalização da empresa, ou o mecanismo menos
oneroso e traumático de separação de acionistas em
sociedades muito personalíssimas, com grupos ou
sócios bem diferenciados e interesses contrapostos.
À diferença da fusão, a cisão de sociedades constitui
técnica de desconcentração ou descentralização
societária (demerger), que consiste na operação jurídicoeconômica
pela qual uma única sociedade procede à
divisão de seu próprio patrimônio, total ou parcialmente,
com ou sem extinção da respectiva personalidade
jurídica, sendo as partes seccionadas transmitidas para
uma nova sociedade ou uma sociedade já existente.
Assim, a cisão pode constituir um instrumento
adequado para a descentralização, desconcentração
ou especialização empresariais, motivadas pelas
razões de racionalização econômica ou, inclusive,
como consequência da execução de políticas
antimonopolísticas20.
Por meio de uma operação de cisão, uma sociedade
pode:
Destacar tão somente uma parte de seu patrimônio
para constituir uma nova sociedade (cisão – criação);
Dissolver-se, dividindo todo o seu patrimônio em
distintas partes, destinadas à constituição de novas
sociedades (cisão – dissolução);
Ou, inclusive, promover a respectiva fusão com
sociedades já existentes (cisão – fusão).
Em suas duas primeiras modalidades, a cisão possui
algumas similitudes com o grupo de sociedades.
Assim, tratando-se de uma operação jurídicoeconômica
que permite veicular uma lógica de
repartição de uma atividade econômica originariamente
unitária entre vários entes societários juridicamente
autônomos, pode constituir o embrião da formação de
um grupo de sociedades.
Tal afirmação é reforçada pelas circunstâncias de
que os sócios da sociedade cisionada vêm a dominar
as sociedades, novas ou já existentes, destinatárias das
parcelas patrimoniais destacadas. Ademais, as operações
de cisão-criação ou cisão-dissolução podem constituir
métodos alternativos funcionais de constituição de um
grupo aos mecanismos de domínio total originário.